Seis meses após cheias, Rio Grande do Sul está próximo da recuperação

Pricilla Santana: “Sofremos muito com a enchente, mas a economia está se mostrando resiliente e com capacidade de recuperação muito ligada ao agro” — Foto: Wenderson Araujo/Valor

Seis meses após enfrentar a grande tragédia das chuvas, o Rio Grande do Sul experimenta recuperação da economia e da arrecadação estadual. A recuperação, porém, é heterogênea entre os setores, com o agro puxando o movimento, mas com “caminho a percorrer” para a indústria, segundo a secretária de Fazenda do Estado, Pricilla Maria Santana. As emissões de notas fiscais de empresas do Simples, diz, mostram que essas empresas também não voltaram ao desempenho anterior.

A arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) está se normalizando, aponta. Após queda de 20% em maio e de 10% em junho, contra iguais meses do ano anterior, a arrecadação do imposto chegou a crescer quase 25% em agosto, em comparação com o mesmo período de 2023. O comércio foi estimulado pelo aumento do consumo a partir das transferências de recursos públicos e pela necessidade de recomposição de bens perdidos ou danificados pelas enchentes.

Parte importante desse desempenho do imposto, porém, diz Santana, foi porque houve em maio um programa do Estado adiando o vencimento de tributos, o que fez a arrecadação se acumular nos meses seguintes. O primeiro mês de normalização, diz a secretária, foi outubro, que teve alta de apenas 1,6% de arrecadação de ICMS em relação a igual mês do ano passado.

A secretária, que chegou a pleitear à Secretaria do Tesouro Nacional um seguro-receita para o Estado logo após as enchentes, diz que, com a recuperação, será possível fechar o orçamento do ano de 2024 no azul, em dia com pagamento de funcionários e fornecedores. Ela lembra, porém, que o Estado está com a suspensão da dívida com a União concedida de forma extraordinária ao Estado em razão das enchentes até 2027. “Estamos retomando receitas, embora não com a pujança que enxergamos no nosso primeiro trimestre.” Santana lembra que o Estado enfrenta problemas estruturais, incluindo a própria dívida com a União.

Entre os grandes desafios do Estado, diz ela, é diversificação econômica, para reduzir a alta dependência do agro, que sofre muito com secas e intempéries. O outro é a perda de população, fenômeno que foi intensificado após as tragédias climáticas. Segundo ela, Muçum, município gaúcho do Vale do Taquari, perdeu 20% da densidade demográfica após os desastres mais recentes e não há indício de que a população vai retornar.

A secretária ressalta ainda que os indicadores econômicos devem ser analisados de forma relativa, já que o Estado tem base de comparação baixa para arrecadação e crescimento do PIB. Dados oficiais do IBGE e do governo gaúcho mostram que em 2023 a economia brasileira cresceu 2,9%, e a gaúcha, 1,7%.

A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:

PIB
A enchente no Estado foi uma grande tragédia e uma ferida aberta: 183 pessoas morreram e 27 seguem desaparecidas. Do ponto de vista econômico, no primeiro trimestre, pré-enchente, o PIB Rio Grande do Sul cresceu 4,6% contra o trimestre anterior, com ajuste sazonal. No trimestre subsequente tivemos queda de 0,3%. Olhando para o semestre temos uma elevação do nosso PIB de quase 4% contra igual período de 2023. Nós sofremos muito com a enchente, mas a economia está se mostrando extremamente resiliente e com uma capacidade de recuperação muito ligada ao setor agro.

Recuperação heterogênea
No ano passado, que foi de extrema seca no Estado, o nosso agro, alicerce da nossa economia, sofreu muito impacto. Em 2024 as enchentes de maio vieram quando faltava uma semana para concluir o período da colheita e por isso o agro não foi fortemente impactado do ponto de vista de colheita. A indústria foi impactada e está se recuperando em ritmo menor do que vemos no agro. Nos serviços, considerando as notas fiscais emitidas, vemos que os contribuintes do Simples, por exemplo, tiveram uma retomada, mas depois se estabilizaram num platô que nos últimos meses está um pouco abaixo do que seria o padrão de normalidade. Há uma perda econômica. São empresas que, infelizmente, não conseguiram voltar a performar como antes da enchente. Tivemos grandes prejuízos, estamos nos recuperando, mas de forma heterogênea. No agro a recuperação foi num ritmo desejável. Na indústria há um caminho a percorrer.

Próxima colheita
As chuvas de maio de 2024 chegaram quase ao fim do período de colheita, mas agora o desafio é a recuperação de solo. Temos uma métrica que mostra cerca de 17 mil fraturas no solo. Significa que houve desmoronamento ou erosão ou alguma mudança na composição ordinária do solo. Com os recursos que foram suspensos para o pagamento da dívida com a União, estabelecemos um plano de reconstrução e o Fundo do Plano Rio Grande (Funrigs). Um dos projetos já aprovados é de recuperação do solo, para dar tempo de termos outra safra importante. O nosso grande desafio agora, sobretudo a partir do mês de novembro em diante, é a seca, como aconteceu em 2023.

Estamos com caixa consistente, sobretudo para medidas de médio prazo

Base baixa
O valor agregado do agro, que integra o PIB do setor, cresceu muito mais em nível nacional no ano passado do que o do Rio Grande do Sul, quando o Estado foi atingido pela seca. Nossa queda no PIB foi de 4%, enquanto que no PIB nacional houve alta de 3%. Por incrível que pareça, a seca destruiu mais PIB no Rio Grande do Sul do que a enchente. Nosso piso é muito baixo. Então, quando temos recuperação em relação a um piso muito baixo, fica parecendo que a gente está super bem, mas não é exatamente isso. Tem que ser visto em termos relativos.

Arrecadação
Tivemos queda de arrecadação do ICMS no Estado de quase 20% em maio. Em junho ainda caiu 10%, mas depois tivemos crescimento. Boa parte do crescimento em alguns meses foi de diferimento [adiamento no pagamento de impostos]. Em agosto, a nossa arrecadação cresceu quase 25% contra igual mês de 2023, mas é porque tem o pagamento diferido. O que temos mais próximo da normalidade até agora é o mês de outubro, que mostra crescimento da nossa arrecadação de 1,6%. Evidentemente não era o crescimento que a gente estava enxergando no começo do primeiro trimestre, mas ele é um crescimento sustentável agora.

Contas em dia
Logo após as enchentes defendemos um seguro receita para qualquer ente que sofra alguma calamidade, para garantir certa estabilidade de receitas. Defendo ainda o seguro, que precisa ser estabelecido como marco normativo. Mas no nosso caso concreto o Rio Grande do Sul foi capaz de promover a sua recuperação. Estamos com caixa consistente, sobretudo para fazer o enfrentamento de medidas de médio prazo. Estamos retomando, embora não com a pujança que enxergamos no nosso primeiro trimestre. Vamos fechar o ano em dia com fornecedores e servidores. Nossos “restos a pagar” ficarão este ano num dos menores níveis históricos. Felizmente estamos com nossas finanças equilibradas, mas ainda trabalhando com os desafios estruturais.

Ajuda da União
O governo federal foi extremamente parceiro. Compreendemos as dificuldades da União, mas nos ressentimos um pouco do ritmo e processo de ajuda, em especial à política habitacional. Estamos ainda está com 1,8 mil pessoas em abrigo. Conseguimos entregar 200 residências provisórias e temos perspectiva de entregar mais 1,5 mil até o fim do ano ou começo de 2025. Sabemos que o programa da Caixa Econômica Federal já tem cadastrado 7 mil famílias habilitadas a receberem ajuda na aquisição da casa própria. Achamos que isso pode ter um pouco mais de ritmo. Não tiramos nossa culpa dessa história, porque sabemos que são informações difíceis de serem levantadas e os municípios tiveram dificuldade em acessar os cadastros. Em relação à parte da resposta imediata, o Exército foi fundamental no nosso processo de recuperação, assim como os outros Estados. Nosso desafio mesmo agora é a construção da resiliência e a reconstrução dos ativos perdidos.

Problemas estruturais
O Estado ainda tem um problema estrutural muito grande em três grandes passivos: o déficit previdenciário, os precatórios e a dívida com a União, que está suspensa até 2027, mas precisaria de uma solução estrutural.

Estamos em conversas na Câmara dos Deputados e no Senado, para propor mudanças no PLP-121/2024, projeto que propõe novo parcelamento das dívidas com a União. Pedimos alterações importantes não só para o Rio Grande do Sul, mas também para todos os outros Estados. Hoje o Estado não tem interesse em aderir ao parcelamento porque estamos com a suspensão da dívida até 2027 e não está claro no projeto se essa situação seria mantida caso decidamos entrar no programa. Outra questão é que a proposta trata das dívidas em que a União é credora. Precisaria incluir as dívidas na qual a União é garantidora. Sem considerar a suspensão ou o atual Regime de Recuperação Fiscal (RRF) no qual o Estado está, o governo gaúcho pagaria quase R$ 11 bilhões de anuais em dívida. Considerando as condições do regime, o débito é de R$ 4,1 bilhões anuais. Os pagamentos à União, porém, serão retomados apenas em 2027, devido à suspensão dada ao Estado após a tragédia de maio. A ideia é negociar a questão do parcelamento e deixar pronto para o próximo governador, como um legado.

Fuga do Estado
Temos perdido população. Muçum, por exemplo, foi um dos municípios gaúchos atingidos por chuvas em setembro de 2023 e agora foi atingido novamente em maio deste ano. Muçum teve uma perda de densidade demográfica de 20% que foi identificada após as enchentes. São pessoas e negócios que deixaram o município e a região do Vale do Taquari. Não temos nenhum indício de que elas vão voltar e estamos entendendo isso como perda demográfica. O nosso trabalho agora é para reverter, convencer as pessoas, que hoje dizem que não voltam, a voltar.

O desafio é para construir os municípios em lugares sustentáveis, que não se sujeitam mais a inundação. Precisamos ter garantia de que eles estarão em áreas resilientes. Os dados do Censo mostram que já vínhamos perdendo demografia antes desses desastres. O Rio Grande do Sul é o Brasil de amanhã. Estamos perdendo população, só que esses eventos aceleram essa perda.

Perda de pujança
O Rio Grande do Sul já vinha ruim das pernas quando comparado com o Brasil. Então, o nosso desafio é o do desenvolvimento econômico. A receita do ICMS do Rio Grande do Sul este ano, mesmo antes da enchente, estava crescendo com variação interessante, de 14%. Mas o ICMS do resto do Brasil estava crescendo 19%. Em termos relativos, o Estado do Rio Grande do Sul está perdendo pujança. É preciso buscar desenvolvimento e crescimento econômico, diversificar nosso portfólio. Somos muito dependentes do agro. Qualquer seca ou intempérie climática nos afeta fortemente. Temos um plano de desenvolvimento econômico com 12 setores. Neste ano recebemos um investimento significativo de data center. Enxergamos que o Rio Grande do Sul como polo para armazenamento de informação em nuvem, para serviços e produtos digitais. É uma janela de fronteira que podemos trazer, junto com energias renováveis. Temos papel importante na cadeia automotiva, sobretudo na transição de sair do automóvel a combustão para o carro elétrico ou eletrificado.

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