Você já percebeu a pressão não declarada que sofre no sentido de estar sempre fazendo upgrade de seu hardware, e de sempre ter de ostentar os dispositivos tecnológicos mais novos?
A maioria de nós, especialmente quem lida com tecnologia no dia a dia, já se acostumou ao exponencial ritmo de crescimento da capacidade computacional embutida nos chips dos processadores que usamos em nossos computadores.
Esse crescimento — e todos nós mais ligados ao tema já estamos carecas de saber disso — é de certa forma pautado pela famosa “Lei de Moore”, aquela que professa que os chips dobram de densidade a cada dois anos.
— Mas essa lei é, na verdade, muito mais complexa — diz o indonésio Sehat Sutardja, CEO do Marvell Technology Group e um dos 400 homens mais ricos dos EUA, segundo a “Forbes”. — A Lei de Moore tem diferentes dimensões que podem ser descritas como diferentes eixos de mudança, sendo elas tamanho, desempenho e preço.
Sutardja define a primeira dimensão, a do tamanho (densidade), como sendo a quantidade de área que é preciso dedicar a um número específico de transistores. Essa área se torna menor a cada ano.
Já pela segunda dimensão, a do desempenho, um chip de mesmo tamanho se tornará cada vez mais poderoso em termos de velocidade computacional e capacidade de armazenamento em memória.
E, pela terceira dimensão, a do preço, à medida que se faz chips menores e menores, o preço, a princípio, também vai caindo.
Aliás, melhor ainda: se for possível rearquitetar o projeto de modo a acompanhar o ganho inerente de velocidade individual dos transistores, o preço pode ser reduzido ainda mais.
No entanto, durante décadas, o foco principal do desenvolvimento da microeletrônica tem sido aumentar os índices na segunda dimensão, a da performance.
— Para a Lei de Moore permanecer relevante, a indústria de semicondutores precisa repensar a formulação dessa lei de modo a incluir a quarta dimensão, há tempo tempo ignorada.
A da eficiência — prevê Sutardja. — Escondida por trás das recentes boas novas na indústria, existe uma crise se agigantando que acredito irá se espalhar por toda a indústria eletrônica ao longo da próxima década.
A tal Lei de Moore, em verdade, não é lei coisíssima nenhuma. Aliás, o próprio Dr. Gordon Moore frequentemente nos lembra desse fato.
A dita lei é simplesmente um “contrato social” entre a indústria de semicondutores e seus clientes, no sentido de manter a tecnologia se movendo para frente a uma velocidade exponencial. (Em tempo, um interessante artigo de Tom R. Halfhill, em inglês, fala sobre a “Mitologia da Lei de Moore”).
É esse crescimento alucinante que nos mantém, ó pobres consumidores mortais que somos nós outros, escravizados à viciosa escalada dos upgrades, que, segundo alguns, é uma monstruosa e muito bem pensada conspiração para nos convencer de que, se não tivermos um computador cada vez mais poderoso em nossas mãos, nossas vidas se transformarão no mais tenebroso dos infernos.
Se hoje nosso computador de casa ou do trabalho tem uma configuração que dá perfeitamente para atendermos às nossas necessidades, em breve seremos “brindados” com o lançamento de novas versões dos softwares que mais usamos, desde o sistema operacional, até os mais diversos aplicativos.
Ao instalarmos essas versões em nossa máquina, notamos que o desempenho de nosso hardware se degrada mais ou menos intensamente.
Então, em vez de não ficarmos tão ligados às novas versões, das quais não usaríamos verdadeiramente mais do que 20 ou 30% (no máximo), mantemos esses novos softwares conosco e apelamos para a solução óbvia — um upgrade de processador, memória ou disco rígido. Ou tudo isso junto.
Em setembro de 2010, a IBM anunciou este que seria o mais rápido microprocessador da História, com clock de 5,2GHz.
Seu nome é z196 e contém 1,4 bilhão de transistores numa área de 512 milímetros quadrados.
Foi fabricado com tecnologia de 45 nanômetros, 6 anos depois a China surpreendeu o mundo com o supercomputador Sunway TaihuLight, o mais poderoso na atualidade.
A máquina conta com um total de 10.649.600 (exatamente, mais de 10 milhões) de núcleos de processamento, capazes de levá-lo à performance de 93 quatrilhões de cálculos por segundo!
E pronto. Lá estamos nós felizes da vida, com nossos egos consumistas plenamente saciados, e com nossa necessidade de arrotar camarão devidamente suprida.
Contudo, parece que esse insidioso ciclo de upgrades tem algum efeito neutralizante em nossa memória — a memória cerebral mesmo, não a RAM de nossa placa-mãe.
Parece que nos esquecemos dos passos que nos levaram ao mais recente upgrade de hardware e, ao primeiro lançamento de novas versões de software, lá vamos nós, eternos otários, correndo para obtê-las, instalá-las e constatar, oh surpresa!, que nossa máquina ficou mais lenta, e que, puxa vida, precisaremos fazer mais um pequeno upgrade, unzinho só.
Assim, por essa e por outras reflexões semelhantes, percebe-se que não há uma razão intrínseca para que a Lei de Moore tenha necessariamente que continuar vigindo.
Então, sendo assim, porque afinal continuamos a obedecê-la?
— Continuamos nos curvando à Lei de Moore porque, não importa quais sejam os custos que tenhamos ao acompanhá-la, os custos sociais de não nos mantermos em compasso com ela seriam muito maiores — declara Sutardja.
Será que, na cadeia evolutiva das CPUs, um dia teremos o equivalente a um unicórnio, como na sequência equina acima?
Ele explica que, nos últimos 50 anos, circuito integrados têm equipado os produtos e serviços do mundo, sendo, de certa forma, um dos elementos propulsores da economia mundial.
A Lei de Moore não apenas descreve o ritmo da inovação no mundo dos semicondutores, mas também o ritmo da aceleração da vida no mundo moderno, num sentido tão amplo quanto ousemos imaginar.
Além disso, ao longo dos últimos 20 anos, a ênfase tem sido no aumento da densidade dos chips, mantendo seu tamanho relativamente constante e maximizando o desempenho e a integração.
Só que, mais recentemente, o processo de desenvolver processadores mais complexos equipados com transistores cada vez mais diminutos foi se tornando proibitivamente caro.
Assim, diante dessa nova realidade, as grandes empresas fabricantes de processadores lançaram mão dos projetos multicore (múltiplos núcleos).
Até que eles vêm funcionando bem, mas o custo dessa decisão, segundo Sutardja, foi ter que abandonar a primeira das dimensões — a do tamanho — provavelmente… para sempre.
Assim, a boa notícia é que a Lei de Moore, pelo menos por enquanto, ainda segue intacta. Podemos até manter o ritmo, mas estamos sob um risco ainda maior de que o céu caia sobre nossas cabeças.
— Sugiro considerarmos a existência da quarta dimensão na Lei de Moore, uma variável que pode mantê-la tão vigente como tem sido, com a vantagem de até poder estender seu prazo de validade.
Essa quarta dimensão é a eficiência — frisa Sutardja. — É a eficiência que explica como, em apenas 50 anos, pudemos progredir de mainframes corporativos do tamanho de edifícios, demandando suprimentos especiais de energia e refrigeração, até pequenos laptops capazes de desempenho até superior ao dos gigantes de outrora.
Há algumas décadas, o fator eficiência não era tão importante ou interessante. Dizíamos a nós mesmos que o chip médio consumia apenas uns poucos watts.
E, mesmo quando eles foram gradualmente aumentando o consumo, para 100 ou 200W individualmente, era um valor aceitável, se comparado a lâmpadas domésticas e outros eletrodomésticos.
Todavia, quando a indústria da eletrônica foi se tornando um dos maiores sugadores de energia do planeta, começamos a violar o contrato social atrelado à Lei de Moore.
— Isso é exorbitante, quase inescrupuloso — acusa o especialista. — Estamos no ramo dos semicondutores para tornar o mundo um lugar melhor, para encorajar e impelir o progresso do gênero humano, mas não às expensas do meio ambiente.
Precisamos dar uma paradinha para pensar e iniciar um processo de mudança. Sutardja propõe um repensar da Lei de Moore, de modo a incluir a tão ignorada quarta dimensão.
— Se pudéssemos alocar a esse objetivo, digamos, 20% dos esforços de pesquisa em desenvolvimento em semicondutores, reduzindo o consumo total dos chips em 15% a cada ano, poderíamos ter o chip médio rodando a apenas 20% do consumo elétrico de hoje até o ano de 2020 — preconiza o visionário estudioso.
— Um computador pessoal usaria apenas 40W, em vez dos 200W por hora consumidos presentemente.
Sim, isso pode parecer um desafio duro demais, mas consideremos que os smartphones mais avançados de hoje em dia consomem menos de 5W para um dia inteiro de uso.
Ele estima que, se conseguirmos, num prazo razoável, substituir cada chip no mundo por esses novos dispositivos de baixo consumo, o mercado global poderia ser capaz de prover cinco vezes mais produtos eletrônicos do que hoje é capaz, isso sem adicionar qualquer peso extra à grade de geração e distribuição elétrica.
— E o que estaríamos perdendo ao redirecionar tanto investimento das áreas de energia e preço para reforçar a eficiência?
Quase nada — analisa Sutardja. — A próxima geração de chips demoraria 18 meses para ser lançada em vez de 15; seu próximo laptop poderia ter um clock de 2,4 GHz em vez de 2,8 GHz; e o corte de 30% no preço da última geração do iPod poderia acontecer em março próximo, em vez de dezembro. Será que você estaria disposto a fazer esse pequeno sacrifício? Acho que todos nós estaríamos.
Temos dentro de nosso crânio a mais fabulosa máquina orgânica de processamento já vista. Porque não a usamos de forma decente?
O que precisamos é estabelecer um novo contrato social, ratificado pela indústria de chips como um todo, no sentido de manter o consumo total de energia dos dispositivos semicondutores do mundo inteiro ao mesmo nível de hoje.
Parece difícil? Sim, responde Sutardja. “Mas se você leu sobre a Lei de Moore em 1965 e tivesse ouvido alguém prever que ela ainda estaria valendo em 2010, você teria achado que tal coisa seria impossível”, rebate ele mesmo.
Cá entre nós, essa iniciativa do grande Sutardja é muito bacana, louvável, e coisa e tal. Só que, no fundo, apenas está empurrando um problemaço com a barriga, para ser resolvido mais tarde. Mas, mesmo assim, Sutardja conclama a um levante a nível global:
— A indústria de semicondutores já tem prática em fazer o impossível. Agora é o momento para a nova geração de fabricantes de chips topar esse desafio — incentiva nosso idealista de plantão.
Só espero que ele não se machuque quando cair da cama, pois, para que isso se torne realidade, seria preciso que os competidores de uma das indústrias mais lucrativas do mundo, em nome do interesse comum, abrissem mão de parte de seus lucros e de suas perspectivas de vitória na luta selvagem por fatias maiores de mercado.
Pensar grande não faz mal a ninguém, muito pelo contrário
Incidentalmente, isso me traz à mente os recentes desdobramentos da luta contra o tráfico de drogas no Complexo do Alemão, aqui no Rio.
E fiquei matutando a luminosa e redentora possibilidade de que traficantes e consumidores do mundo inteiro pudessem promover um acordo global no sentido de, respectivamente, produzir e consumir menos entorpecentes de maneira a possibilitar uma melhoria planetária nas áreas de saúde e segurança da população, reduzindo os malefícios decorrentes do comércio e do consumo de substâncias ilegais.
Você acha que algo assim teria uma mínima chance de dar certo?